sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Perdidos Achados

"Cavucando" antigos HDs, CDs, caixas, etc... tenho encontrado algumas coisas interessantes que vou postando aqui para quem tiver paciência e/ou interesse de um pouco de minha trajetória. Este escrito está datado de 01/01/2006. Outro achado foi uma interpretação de "As Rosas não falam", de Cartola,
(aliás essa é uma das músicas que mais gravei) que nunca foi lançada.
No fim to texto se desejarem, ouçam, e espero que gostem.

Me foi dito no começo de minha trajectória como músico profissional que para se ser um bom improvisador, não era permitido repetir frases, tudo tinha que ser espontâneo e na hora, de acordo com o que estivesse acontecendo, sentindo. O improviso tinha que ser uma re-interpretação ou uma variação dos temas e cada dia ou cada set tinha que ser diferente. Fiquei com isso na cabeça e tento tocar assim até hoje. Isso demanda muito do instrumentista que tem que estar sempre concentrado e com seus sentidos a flor da pele na hora das apresentações para que possa se exprimir e emocionar as plateias.

A música brasileira popular, (samba, choro, bossa nova, baião, etc...) é talvez a mais rica do mundo. Possui de maneira forte e exuberante os três elementos que definem música. Ritmo, harmonia e melodia. Por isso é que para se tocar esse gênero musical exige-se muita concentração, prática e concentração. Independência é fundamental.

Entendo a música como arte, e não como um produto descartável. Acho que tenho a responsabilidade quando me apresento de entrar no coração das pessoas, pois se estão ali naquele momento, devem estar a procura de alguma emoção, alguns momentos em que possam se desligar de seus quotidianos e problemas e entrar em contacto com o belo, e/ou seus próprios sentimentos e emoções, através da música que irão ouvir e sentir. Levo isso muito a sério, respeito muito a plateia e sempre tento me entregar o máximo possível as minhas interpretações para que as audiências saiam dali com uma boa lembrança, que pelo menos alguns momentos daquela apresentação fiquem para sempre no coração das pessoas, que se transformem em referência para sentimentos agradáveis de paz, ou amor, ou tranquilidade espiritual. Algo assim.

O piano, ao meu ver, é o mais sublime instrumento musical. Isso sem menosprezar de maneira nenhuma a beleza e a importância de todos os outros instrumentos musicais.

Hoje em dia, as pessoas aprendem a tocar mais por referência e/ou imitação. Acho que não estão dando mais importância nas escolas e nas Universidades musicais a exploração dos sentimentos de cada discípulo, a importância da criação do próprio estilo. Os músicos hoje em sua grande maioria tocam pedaços de estilos de músicos do passado, que tinham estilo próprio. Então acaba ficando pastiches de estilos de artistas que foram estudados e analisados durante seus estudos. O resultado disso é que na grande maioria dos concertos e shows que vemos por aí são apenas demonstrações de técnicas e habilidades. Não emociona. Não toca, e os comentários se resumem a divagar sobre a técnica e habilidade dos músicos para classifica-los de competentes ou não. Raramente as pessoas saem realmente emocionadas após os concertos.

Não sou muito de fazer comentários sobre os outros ou os trabalhos dos outros. Acho que cada um faz, ou deveria fazer o melhor que pode. Dou opiniões, as vezes sobre fatos, música, falo o que sinto, acho ou penso, e se isso afeta alguma pessoa, organizações ou movimentos, se a carapuça serve em alguém, que a vistam e sintam-se confortáveis, ou contestem, ou dêem também suas opiniões. Só as vezes quando uma coisa ou um fato me incomoda muito ou me alegra muito dou nomes aos bois diretamente.

Existe uma diferença muito grande entre influência e imitação. Influência, todos os artistas tem um pouco. Mas tem também os imitadores. Caras que ficam tocando e tocando os discos de seus prediletos e tentando tocar igual. Isso eu acho mal. Quando eu era muito pequeno, 6 ou 7 anos, as pessoas se impressionavam pois eu tinha a capacidade de tocar igual a um disco que meu pai tinha do pianista Count Basie tocando Boogie Woogie, e eu tocava igualzinho a ele. Todos pediam para eu mostrar a façanha. Aquilo me incomodava muito, pois para mim não era nada de excepcional, mas as pessoas achavam fantástico e aquilo me incomodava muito. Foi o fim para mim de tocar igual ao que eu ouvia.

Meu mestre, meu avô, o professor Guilherme Fontainha, sempre deu muita importância a interpretação, aos sentimentos que os compositores queriam passar com essa ou aquela peça musical. Insistia muito no uso correto do pedal, nas nuances, piano, pianíssimo, forte, meio forte, stacatto, portato,, ralentandos, etc. ensinando como tirar o melhor som do piano através do método do peso do braço, a posição correta das mãos, a posição correta de se sentar no banquinho do piano, tudo para facilitar ao máximo o bom desempenho musical, para que nada pudesse vir a atrapalhar a execução e a expressão musical. Ele foi um dos maiores mestres de piano do Brasil de todos os tempos. As aulas de prática, teoria, mecanismo, etc... eu tinha com uma assistente dele, a professora Fumiko Kawanami, e ele aparecia de vez em quando para dar essa lapidada essencial para o bom desempenho e interpretação.

Tive aulas também de Harmonia Tradicional com o professor Paulo Herculano e também de composição serial, estética musical e psicologia musical com o professor H.J. Kollroetter que me foram muito úteis. De resto, sou autodidata. Não tenho nenhum diploma. Só do ginásio.

Quando eu era criança, um artista ou compositor de 50 anos para cima, as vezes até menos era considerado da velha guarda. Hoje em dia se vê os artistas de 60 anos para cima serem consumidos pelos jovens e até adolescentes. Talvez seja pelo fato de não haver tido uma evolução a altura e também acredito que seja pela falta de investimento da indústria em novos valores. Hoje em dia quem vende bem são os coroas, e alguns grupinhos de música sem a menor importância musical ou histórica, nada condizente com o real valor da música brasileira popular de outros tempos.

A inspiração a meu ver é um estado de espírito. Nos momentos em que nossas almas estão descansadas, livres de qualquer influência material, são capazes de captar no ar, na natureza, nas vibrações cósmicas, melodias, harmonias, combinações rítmicas, e são nesses momentos que conseguimos chegar perto do que queremos expressar através da música, ou qualquer arte, acredito. Há quem faça tudo mais tecnicamente, há até teorias de que inspiração não existe, que tudo é técnica, etc. mas eu encaro as coisas, a vida, a arte, a música de uma maneira mais espiritual. Vejo espiritualidade em tudo.

Disciplina, paciência, dedicação, prática e principalmente conexão com a própria alma, com o próprio Ser para mim são os requisitos para se ser um artista pelo menos razoável. É um longo caminho a ser trilhado. Uma das coisas que o professor Kolroeter falou e que nunca me esqueci foi "Sem ordem não existe obra de arte". Essa ordem a que ele se referia, para mim soou como tudo aquilo que eu defini no início desse "parágrafo" digamos assim.

Não me esqueço de uma passagem engraçada do trumpetista americano Dizzie Gillespie. Perguntado sobre o que ele encarava a música, o tocar, o interpretar, ele respondeu: " A gente se transporta para uma outra esfera, e aí toca, improvisa, tudo num estado de iluminação maravilhoso, ficamos flutuando num espaço cósmico, e por aí foi, no que o "perguntador" falou: " Ohhhh! então todas as vezes em que vemos o Sr. tocar o Sr. está iluminado dessa maneira e nesse tal espaço cósmico?" E ele respondeu: " Olha, uma vez, eu quase consegui isso..." É assim para mim. Me transporto também para um lugar desconhecido, um espaço diferente e fico ali quando estou tocando. Um lugar tranquilo onde existe paz, harmonia, tranquilidade, alegria, comunicação com entidades superiores, etc. Mas nunca conseguimos exatamente ficar ali todo o tempo, afinal somos humanos. Mas acredito piamente que sou ajudado por entes superiores quando estou me apresentando, ou compondo, ou escrevendo arranjos. Não sei fazer isso sozinho. Não estudei o suficiente.




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